Parece que foi ontem! Esta é
uma frase que ouvimos com muita frequência. Ela entra para o nosso repertório
mais cedo do que esperamos, e comumente fazemos uso dela quando sentimos a
sensação de que a passagem do tempo nos pegou de surpresa. Muito mais do que
uma frase feita ou meramente um clichê, ela expressa uma verdade universalmente
admitida: a transitoriedade da experiência humana.
Revisitei essa questão ao
ler sobre uma nova modalidade de turismo em São Paulo: a visita noturna a
túmulos históricos do Cemitério da Consolação. O novo passeio turístico,
inaugurado no dia 16 de outubro, passa a funcionar efetivamente a partir de
novembro, quando é lembrado o Dia de Finados. Durante o feriado do dia 2 de
novembro, o cemitério espera receber uma multidão de pessoas que devem passam
pelo local a fim de “visitar” seus entes queridos. Ali estão sepultados grandes
ícones da arte nacional, tais como os escritores Monteiro Lobato, Mário de
Andrade e Oswald de Andrade, e a pintora e desenhista Tarsila do Amaral.
Todas essas pessoas causaram
algum tipo de influência que ainda hoje perdura sobre muitos. Quem, por
exemplo, nunca ouviu falar do famoso Sítio do Picapau Amarelo, uma série
infantil de 23 volumes escrita por Monteiro Lobato? Em uma de suas histórias, o
autor fala da brevidade da vida da seguinte forma: “A vida, senhor Visconde, é
um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem para de piscar
chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um
dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais… A vida das
gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso… Cada pisco é um dia. Pisca e mama,
pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme
os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre”.
A Bíblia também fala sobre a
efemeridade da vida. Esse é um tema recorrente e abordado por diversos autores
inspirados. Uma passagem que chama especialmente minha atenção é aquela
encontrada em Tiago 4:14, em que o autor coloca diante de nós uma pergunta que
suscita reflexão: “O que é a vossa vida?”. Ele mesmo responde: “É um vapor que
aparece por um pouco, e logo se desvanece”.
A metáfora da vida como
vapor deve ser vista a partir de uma reação à situação proposta no verso
anterior: “Hoje ou amanhã, iremos para a cidade tal, e lá passaremos um ano, e
negociaremos, e teremos lucros”. Nesse cenário, dois ou mais comerciantes planejam
entrar numa cidade, ajudar-se mutuamente e obter lucro por meio disso. Porém, o
lucro é visto como um fim em si mesmo, de modo que a denúncia de Tiago diz
respeito ao fato de ele ter sido colocado acima dos valores espirituais na
mente dos falantes.
Desse modo, o autor usa o
verso catorze para reduzir o plano desses homens a nada mais do que futilidade
e insensatez. Ele traça a vida como um quadro de incertezas e
imprevisibilidade, em face de sua natureza transitória, de maneira que
fragilidade e falta de controle sobre determinados eventos estão presentes no
próprio cerne da existência. Portanto, as realizações humanas, mesmo as mais
suntuosas, não passam de simples névoa, sobretudo quando vistas em oposição à
eternidade. Além disso, Tiago desmascara a presunção subjacente às intenções de
ganho material, a qual consiste em planos traçados sem considerar a soberania
de Deus, e, por isso mesmo, é denunciada por ele sem ressalvas: “Toda jactância
semelhante a essa é maligna” (Tg 4:16).
Tiago deixa claro que a vida
é um breve intervalo entre um vapor que aparece (o nascimento) e logo se
desvanece (a morte). Desse modo, ele destaca qual deve ser nossa postura diante
do reconhecimento dos limites da existência humana: “Se o Senhor quiser,
viveremos e faremos isto ou aquilo” (Tg 4:15). Com isto, estamos diante de um
claro contraste entre a finitude humana e a sabedoria divina.
Embora a morte tenha se
tornado uma intrusa na experiência humana e uma inimiga a ser vencida (1
Coríntios 15:26), ela não é o fim. Existe a esperança da ressurreição (1 Ts
4:14-17; 1 Co 15:51-54). Completamente consciente da limitação humana, em sua
carta Tiago apresenta marcantes correspondências com determinados livros do
Antigo Testamento, mais especificamente Jó, Provérbios e Eclesiastes. Neste
último, o autor descreve sua busca por sentido, e finaliza sua discussão com um
sábio conselho para todos aqueles que querem viver bem a vida: “De tudo o que
se tem ouvido, a conclusão é: teme a Deus e guarda os seus mandamentos”.
Considerando que, conforme ele mesmo expressou, “os vivos sabem que hão de
morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, nem tampouco terão eles
recompensa, porque a sua memória jaz no esquecimento” (Ec 9:5), toda decisão
deve ser tomada nesse pequeno intervalo de tempo entre o nascimento e a morte.
Portanto, devemos buscar a
sabedoria do alto para viver bem a vida. Como disse Karen Burton Mains, fazendo
um comentário sobre o escritor russo Alexandre Soljenitsyn, “eu recupero o
equilíbrio em momentos de oscilação, eu me fortaleço, porque uma vida foi bem
vivida” (citado em Muito mais que palavras, de Philip Yancey). Então me lembro
do meu pai, que já descansa o sono da morte, e os sábios conselhos que ele me
transmitiu na infância. Parece que foi ontem! [Créditos da imagem: Fotolia]
ADENILTON TAVARES é mestre
em Ciências da Religião e professor de grego e Novo Testamento na Faculdade de
Teologia da Bahia.
Fonte: Revista Adventista