Pages

domingo, 29 de novembro de 2015

De passagem

Como-um-piscar-de-olhos-artigo-Adenilton-RA-online-creditos-Fotolia

Parece que foi ontem! Esta é uma frase que ouvimos com muita frequência. Ela entra para o nosso repertório mais cedo do que esperamos, e comumente fazemos uso dela quando sentimos a sensação de que a passagem do tempo nos pegou de surpresa. Muito mais do que uma frase feita ou meramente um clichê, ela expressa uma verdade universalmente admitida: a transitoriedade da experiência humana.

Revisitei essa questão ao ler sobre uma nova modalidade de turismo em São Paulo: a visita noturna a túmulos históricos do Cemitério da Consolação. O novo passeio turístico, inaugurado no dia 16 de outubro, passa a funcionar efetivamente a partir de novembro, quando é lembrado o Dia de Finados. Durante o feriado do dia 2 de novembro, o cemitério espera receber uma multidão de pessoas que devem passam pelo local a fim de “visitar” seus entes queridos. Ali estão sepultados grandes ícones da arte nacional, tais como os escritores Monteiro Lobato, Mário de Andrade e Oswald de Andrade, e a pintora e desenhista Tarsila do Amaral.

Todas essas pessoas causaram algum tipo de influência que ainda hoje perdura sobre muitos. Quem, por exemplo, nunca ouviu falar do famoso Sítio do Picapau Amarelo, uma série infantil de 23 volumes escrita por Monteiro Lobato? Em uma de suas histórias, o autor fala da brevidade da vida da seguinte forma: “A vida, senhor Visconde, é um pisca-pisca. A gente nasce, isto é, começa a piscar. Quem para de piscar chegou ao fim, morreu. Piscar é abrir e fechar os olhos – viver é isso. É um dorme e acorda, dorme e acorda, até que dorme e não acorda mais… A vida das gentes neste mundo, senhor Sabugo, é isso… Cada pisco é um dia. Pisca e mama, pisca e brinca, pisca e estuda, pisca e ama, pisca e cria filhos, pisca e geme os reumatismos, e por fim pisca pela última vez e morre”.

A Bíblia também fala sobre a efemeridade da vida. Esse é um tema recorrente e abordado por diversos autores inspirados. Uma passagem que chama especialmente minha atenção é aquela encontrada em Tiago 4:14, em que o autor coloca diante de nós uma pergunta que suscita reflexão: “O que é a vossa vida?”. Ele mesmo responde: “É um vapor que aparece por um pouco, e logo se desvanece”.

A metáfora da vida como vapor deve ser vista a partir de uma reação à situação proposta no verso anterior: “Hoje ou amanhã, iremos para a cidade tal, e lá passaremos um ano, e negociaremos, e teremos lucros”. Nesse cenário, dois ou mais comerciantes planejam entrar numa cidade, ajudar-se mutuamente e obter lucro por meio disso. Porém, o lucro é visto como um fim em si mesmo, de modo que a denúncia de Tiago diz respeito ao fato de ele ter sido colocado acima dos valores espirituais na mente dos falantes.

Desse modo, o autor usa o verso catorze para reduzir o plano desses homens a nada mais do que futilidade e insensatez. Ele traça a vida como um quadro de incertezas e imprevisibilidade, em face de sua natureza transitória, de maneira que fragilidade e falta de controle sobre determinados eventos estão presentes no próprio cerne da existência. Portanto, as realizações humanas, mesmo as mais suntuosas, não passam de simples névoa, sobretudo quando vistas em oposição à eternidade. Além disso, Tiago desmascara a presunção subjacente às intenções de ganho material, a qual consiste em planos traçados sem considerar a soberania de Deus, e, por isso mesmo, é denunciada por ele sem ressalvas: “Toda jactância semelhante a essa é maligna” (Tg 4:16).

Tiago deixa claro que a vida é um breve intervalo entre um vapor que aparece (o nascimento) e logo se desvanece (a morte). Desse modo, ele destaca qual deve ser nossa postura diante do reconhecimento dos limites da existência humana: “Se o Senhor quiser, viveremos e faremos isto ou aquilo” (Tg 4:15). Com isto, estamos diante de um claro contraste entre a finitude humana e a sabedoria divina.

Embora a morte tenha se tornado uma intrusa na experiência humana e uma inimiga a ser vencida (1 Coríntios 15:26), ela não é o fim. Existe a esperança da ressurreição (1 Ts 4:14-17; 1 Co 15:51-54). Completamente consciente da limitação humana, em sua carta Tiago apresenta marcantes correspondências com determinados livros do Antigo Testamento, mais especificamente Jó, Provérbios e Eclesiastes. Neste último, o autor descreve sua busca por sentido, e finaliza sua discussão com um sábio conselho para todos aqueles que querem viver bem a vida: “De tudo o que se tem ouvido, a conclusão é: teme a Deus e guarda os seus mandamentos”. Considerando que, conforme ele mesmo expressou, “os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, nem tampouco terão eles recompensa, porque a sua memória jaz no esquecimento” (Ec 9:5), toda decisão deve ser tomada nesse pequeno intervalo de tempo entre o nascimento e a morte.

Portanto, devemos buscar a sabedoria do alto para viver bem a vida. Como disse Karen Burton Mains, fazendo um comentário sobre o escritor russo Alexandre Soljenitsyn, “eu recupero o equilíbrio em momentos de oscilação, eu me fortaleço, porque uma vida foi bem vivida” (citado em Muito mais que palavras, de Philip Yancey). Então me lembro do meu pai, que já descansa o sono da morte, e os sábios conselhos que ele me transmitiu na infância. Parece que foi ontem! [Créditos da imagem: Fotolia]

ADENILTON TAVARES é mestre em Ciências da Religião e professor de grego e Novo Testamento na Faculdade de Teologia da Bahia.











0 comentários:

Postar um comentário