Zygmunt
Bauman, filósofo de origem polonesa que morreu nesta segunda-feira, dia 9 de
janeiro de 2017, conduziu-me a um mundo em que o caos triunfou sobre a ordem.
Seus estudos e a produtiva literatura que derivou de seu pensamento funcionam
como um alerta desses tempos sombrios, em que o interesse do indivíduo está
acima de tudo e o sentido de comunidade está a se dispersar no vazio. De suas
visões de uma realidade fluída, ambivalente, multiforme, surgiu o conceito de sociedade
líquida – a precariedade dominante, a solidez das instituições escorrendo pelos
dedos, a vida embalada para consumo e descartável como embalagens de fast food.
Comecei
a ler Bauman acompanhado de amigos nos primeiros anos que se seguiram à minha
formação no jornalismo. Se tivesse um pouco mais de sagacidade, poderia ter
compreendido melhor já naquele tempo o deslumbramento da modernidadade pela
fragmentação. Bauman escreveu, em Modernidade e Ambivalência (Jorge Zahar,
1999), um de seus livros que mais gosto, que “a modernidade se orgulha da
fragmentação do mundo como sua maior realização. A fragmentação é a
fonte primária de sua força. O mundo que se desintegra numa pletora de
problemas é um mundo governável”.
Estava
tudo ali, sendo anunciado por Bauman, como se fosse um profeta a quem não se dá
a devida atenção. Eram os sinais de que a legitimação da política e da religião
seria arranhada, de que as ideologias haveriam de se esfacelar, a democracia
sofreria o perigo do colapso, a família seria estilhaçada e serviços e produtos
culturais se transformariam em commodities na era do mercado.
As
relações humanas na sociedade líquida são relações de consumo. Grande perigo
para as religiões e para a fé, uma vez que é difícil reconhecer soberania
divina quando o que prevalece é a ilusão do homem como centro de todas as
coisas. Bauman escreveu, no livro O Mal-Estar da Pós-Modernidade, que “a ideia
de auto-suficiência humana minou o domínio da religião institucionalizada, não
prometendo um caminho alternativo para a vida eterna, mas chamando a atenção
humana para longe desse ponto; concentrando-se em vez disso, em tarefas que o
ser humano pode executar e cujas consequências eles podem experimentar enquanto
ainda são ‘seres que experimentam’ – e isto significa aqui nessa vida”.
É
uma reflexão indispensável e sintomática, que aponta para um tipo de fé
alicerçada em um conceito pop da religião, com líderes obcecados por esportes radicais, atentos a
promoções da última estação em alguma filial da Zara, antenados quanto às
últimas novidades da Apple, embalando as igrejas como se a vida fosse um imenso
outlet, mas incapazes de fazer a leitura de uma ruptura transformacional que
multiplica analfabetos digitais, que amplia as carências suburbanas e abafa as
esperanças da ampla maioria das pessoas que tentam sobreviver à revelia dos
apelos de consumo.
Talvez
ajudaria um mergulho na obra de Zygmunt Bauman, para mim uma das últimas vozes
a mostrar o declínio dessa experiência humana sem muito tempo e espaço para o
Eterno.
Heron Santana: Formado em Jornalismo pela
Universidade Católica de Pernambuco em 1997. Trabalhou na CBN Recife e sucursal
do Jornal do Commercio. Foi assessor de comunicação da Igreja Adventista do
Sétimo Dia para o Nordeste, diretor de comunicação para a região central de São
Paulo e diretor da Rádio Novo Tempo de Nova Odessa, SP. Atualmente é diretor de
comunicação da Igreja Adventista para os estados da Bahia e de Sergipe.
Fonte: Portal Adventista
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