Era noite de sexta
feira e eu me sentei debaixo de uma grande tenda da reunião campal enquanto
ouvia o programa musical que precedia o pregador da noite. Depois de mais de
quarenta anos assistindo às reuniões campais da Igreja Adventista do Sétimo
Dia, esta era sem dúvida mais uma experiência familiar e agradável. Era bom
estar em comunhão com o povo de Deus.
Mas desta vez fiquei
chocado. Assim que os primeiros músicos terminaram a sua apresentação, enquanto
saíam da plataforma, o auditório aplaudiu! Novamente, em seguida ao próximo
número, e ao próximo. Isto foi inédito para mim, comecei a sentir-me bastante incomodado.
Por um momento questionei minha própria consciência. É o santo Sábado, não é?
Isto é um culto sagrado, não é? Porquê o aplauso?
Como havia assistido a outras
reuniões campais e cultos adventistas durante muitos anos, tentei racionalmente
e biblicamente parar e analisar meu desconforto e esforçar-me para responder
uma pergunta fundamental: há alguma coisa de errado em bater palmas nos cultos
da Igreja?
Um
Ambiente Secular
Depois de
algum tempo de convivência com o aplauso nos meios cristãos, inevitavelmente
adquire-se uma atmosfera secular. Histórica, sua jurisdição foi o teatro, a
arena de esportes competitivos, os grandes eventos sociais. Sua intrusão no
culto sagrado ofende as sensibilidades espirituais dos que foram criados com
outra compreensão. Para eles, o aplauso durante um culto sagrado altera o foco
da ligação vertical com Deus para uma linha horizontal.
As luzes
neste palco focam o humano enquanto apagam o divino e o mandam para os
bastidores. Seculariza-se o sagrado. É um ruído que desconcentra, como um ritmo
de música rock em pleno culto de adoração.
Bater
palmas ainda é outro indicador de nosso conceito variável da grandeza de Deus.
Reinventamos Deus à nossa própria imagem. Falamos d’Ele considerando o que
cremos que Ele é ou deveria ser. Sua soberania, onipotência e santidade foram
suplantadas por algo com qualidades mais humanas. Afinal nosso novo Deus não
leva tão a sério os detalhes, estávamos enganados; mas agora compreendemos
isso. Assim pensamos nós.
O serviço
israelita do santuário foi planejado para criar respeito pela santidade de
Deus. Todo o ritual, todo o utensílio era envolvido com santidade. Quando foram
incinerados dois jovens sacerdotes que chegaram intoxicados à porta do
tabernáculo, Deus disse a Moisés, “Serei santificado naqueles que se cheguem a
mim, e serei glorificado diante de todo o povo.” (Levíticos 10:3).
Nós
adoramos o mesmo Deus. O fato de nossas igrejas estarem equipadas com sistemas
eletrônicos e instrumentos musicais não faz com que a santidade de Deus
diminua, pelo contrário. Temos que aumentar, não diminuir, a diferença entre o
santo e o profano, o limpo e o sujo (veja Ezequiel 22:26).
Os
Adventistas do Sétimo Dia entendem que, na conclusão do grande conflito, a
adoração é o assunto principal. Sempre entendemos que a batalha se travaria em
relação a um dia especial; agora sabemos que também incluirá a forma. Bater
palmas tem parecido ser inofensivo para alguns, mas na realidade está deixando
o “nariz do camelo” da influência secular entrar na igreja. Gritar, assobiar, e
ritmar com o pé ainda não chegou (pensa o autor, mas estas práticas já tomaram
lugar em várias reuniões adventistas, inclusive em Lisboa no Congresso Jovem),
mas podem estar muito distantes? Aqueles que ousam tocar a montanha serão
tentados a tocar a arca.
O
Quociente do Entretenimento
Na
faculdade onde estive como estudante, uma salva de palmas era usada para
selecionar os vencedores do prêmio, em programas para jovens amadores. Batíamos
palmas com toda a nossa força para assim fazer subir o indicador visual em
favor de nosso competidor favorito.
Congregações
estão votando agora com aplausos em seus personagens favoritos e os líderes
destes cultos os incitam; tudo isso é igual àqueles shows (competições) que eu
presenciava na faculdade.
Observei
que uma canção “contemporânea” que puxe o fôlego, cantada com balanço e
movimentos do corpo, olhos meio fechados, microfone seguro perto dos lábios,
pode “derrubar uma casa,” enquanto um violino de qualidade ou solo de um
clarinete podem receber uma fraca salva de palmas.
Está claro
que a maioria das congregações pode facilmente ignorar o trabalho duro dos
músicos e tempo que investiram aprendendo a tocar ou cantar bem; na verdade
eles simplesmente aplaudem o que os faz sentir bem. O aplauso é uma medição do
valor do entretenimento.
A mensagem
transmitida desta forma aos músicos torna-se tanto instrutiva quanto cruel:
Dá-nos aquilo a que nossas naturezas carnais foram acostumadas ou seu
desempenho não será apreciado.
Além de
dar falso testemunho sobre o propósito da música na adoração, se a prática de
aplaudir continuar se espalhando pelas nossas igrejas, isto poderá muito bem
desencorajar os muitos jovens de possuírem e desenvolverem uma música séria com
valor espiritual.
De
qualquer forma, esta ainda não é a consideração mais importante com relação ao
aplauso em nossos cultos. Mais fundamental é a pergunta: O que estamos tentando
conseguir batendo palmas? Será dar elogios e adulação aos artistas? Nesse caso
então, perdemos o propósito da adoração que é dar honra e elogiar a Deus.
Estamos
acostumados a sermos entretidos. Nossas casas têm centros de entretenimento. Os
nossos automóveis são da mesma forma equipados para dar-nos a certeza de que as
nossas mentes estarão constantemente distraídas. Não é fácil de achar “um lugar
quieto, longe do passo rápido onde Deus pode acalmar minha mente preocupada.”
1, parece no mínimo razoável que a igreja deveria ser aquele lugar, e não um
tipo de teatro Sabático.
A Música
Fá-los Fazer Isto
Como já
mencionei, o surgimento aplauso dinâmico não ocorre somente com os que
congregam com o espírito eu-estou-aqui-para-ser-entretido, ou seja, quero
participar na escolha da melhor performance, na melhor execução do artista. As
pessoas aplaudem o que reconhecem instintivamente como sendo “evangelho de
entretenimento” um termo usado sem hesitação por muitos no “ministério” da
música hoje.
Ainda
pretendo ouvir algum grupo de membros aplaudir o hino “O Pai Nosso” ou “Castelo
Forte,” embora não esteja pronto para administrar a minha reação a esta altura.
Sinto-me
feliz pelos que aplaudem, pois a maior parte deles, parece ainda ter um pouco
de respeito pelas coisas sagradas. Penso que poucas congregações, bateriam
palmas de modo selvagem e profano para a apresentação de um harpista tocando o
solene hino “Fronte Ensangüentada” assim como fariam para um trio de trombetas
numa versão de “Oh! Happy Day.”
Aparentemente
supõe-se que a própria música ou encoraja ou reprime a inclinação para
aplaudir. Se a música terminar com um floreado e um crescendo, as emoções da
congregação sobem com isto, e o aplauso é freqüentemente a resposta. Tal música
implora aplauso. Mas a conclusão mais difundida para os hinos sacros tende a
deixar o adorador mais meditativo sobre a mensagem. Em outras palavras, quanto
mais de perto a música tocada refletir o que os ouvintes estão acostumados a
ouvir no mundo do entretenimento, mais vigoroso aplauso será o resultado; mas
quanto mais sacra for a música, mais “cortês” será o aplauso ou simplesmente
não existirá.
Sombras de
Pentecostalismo?
Bater
palmas, como um exercício religioso, não é um fenômeno que cresce sozinho. Pelo
menos, se for, creio que é improvável permanecer deste modo. Na seqüência
lógica a fila inclui os braços levantados, corpos se mexendo, e as expressões
vocais extáticas tão características do Pentecostalismo.
E nós
estivemos lá antes. Cedo no Adventismo achamos vários exemplos de indivíduos
que foram além de gritar e bater palmas; eles foram prostrados “pelo Espírito”
e mortos pelo poder de Deus (Spiritual Gifts, 2:27, 221). Ellen G. White até
mesmo parece ter aprovado estas demonstrações na ocasião. Assim, por que somos
tão exigentes com eles hoje?
Mas Deus
mostrou a Ellen White a procedência destas práticas e ensinou-a a aplicar
barreiras contra isso. Ela escreveu, “Para alguns, os serviços religiosos não
significam mais que um tempo agradável. Quando seus sentimentos são
despertados, pensam que estão grandemente abençoados. . . A intoxicação do
excitamento é o objeto que buscam; e, se o não obtêm, julgam tudo estar errado
com eles, ou que algum outro o está.” (II Mensagens Escolhidas, pág. 21).
Não
adiantará levantar-se em raiva e dizer que não deveríamos deixar o diabo roubar
algo de nós que é bom e direito. É muito tarde para isso, já não funciona. O
Pentecostalismo ganhou uma imagem universal de sentimentalismo desenfreado; os
Adventistas do Sétimo Dia escolheram historicamente o caminho da razão
tranqüila e calma alegria, de forma que o mundo possa nos ver como “um povo
inteligente, pensante, cuja fé se acha baseada em fundamento firme e não em
confusão” (Idem, pág. 24).
Aqueles
que defendem o bater palmas reivindicam que há uma necessidade de mais
liberdade e espontaneidade, mais “espírito” e menos estrutura, em nossas
reuniões. Ellen White considerou que tal colocação seria como algo perigoso
para nosso culto. “Em nosso falar, nosso canto, e em todos os nossos cultos
espirituais, devemos revelar a calma e a dignidade e o piedoso temor que atua
em todo verdadeiro filho de Deus. Há constante perigo de permitir entrar em
nosso meio alguma coisa que consideremos como operação do Espírito Santo, mas
que na realidade é fruto de um espírito de fanatismo….Temo isto; temo isso”
(Idem, pág. 43).
Ao invés
disso, ela sempre ensinou que o povo de Deus deveria “agir de maneira metódica
e ordenada”. (Testemunhos para a Igreja, vol. I, pág. 191).
Se Fosse
Aceitável…
Até mesmo
se o aplauso fosse uma forma aceitável de mostrar apreciação em nossas igrejas,
não seria então uma amostra de parcialidade? Se qualquer um deveria ser
destacado para uma salva de palmas na maioria das igrejas, seriam então os que
cuidam dos bebês. Ou os membros da equipe da cozinha. Ou os professores da
escola da igreja.
E mesmo
que o Céu aprovasse estes aplausos, a minha suposição seria que estes deveriam
ir para a alma que em luta ganhou a vitória sob um pesado pecado, ou alguém que
passou por uma grande tribulação, sofrimento e perda com um espírito
triunfante. Em tais casos, eu posso ouvir Jesus dizer, “Alegrai-vos comigo,
porque já achei a minha ovelha perdida!” (Lucas 15:6).
Penso que
destacar as pessoas da linha da frente para semelhantes reconhecimentos envia
uma mensagem errada às pessoas nas trincheiras.
Um Vinho
Que Intoxica
E envia a
mensagem errada aos próprios artistas. Nas várias dúzias de vezes que Ellen
White usa a palavra “aplauso”, não achei nenhum exemplo onde seja usada de uma
forma positiva. Ela fala das pessoas “que imploram” por aplausos, dos que
“buscam mais afincadamente o aplauso dos que estão ao redor deles do que a
aprovação de Deus,” de alguns que “recebem aplauso para virtudes que eles não
possuem, “e de alguns a quem o aplauso estimula mais do que “a taça de vinho ao
bêbado” (Testemunhos para a Igreja, vol. 4, pág. 375; Primeiros Escritos, pág.
107; Testemunhos para a Igreja, vol. 2, pág. 512; vol. 3, pág. 185, 186).
Se não
tivéssemos nenhuma outra razão para nos abstermos dos aplausos durante o culto
de adoração, também não precisaríamos de nenhuma. Temos inumeráveis
advertências na Bíblia e nos escritos da Sra. White contra incentivar o orgulho
e auto-adulação aos nossos membros. Até mesmo um gole ou dois desse vinho
intoxicado, pode ser viciante.
Todos
batem palmas?
Mas e as
referências Bíblicas?(*1) Uma análise simples do contexto do Salmo 47
indica que
não é o
povo de Israel que estava sendo chamado a bater palmas, mas sim as nações
que haviam sido subjugadas. Ora, será que um povo pagão, que não conhecia
Deus, e que acaba de ser vencido em nome dEle, estaria disposto a
adorá-Lo?Ou será que o Salmo está dizendo que eles teriam que reconhecer o
poder de Deus, porque não teriam outra alternativa? Aliás, é este o
contexto da única citação que Ellen White desta passagem, em Review and
Herald, 1 de Janeiro de 1914, quando fala do rei Josafá voltando
da batalha.
Uma
análise exegética da expressão "bater palmas" indica que ela é
sempre usada em um contexto de admiração e espanto, não necessariamente no
contexto de louvor, elogio ou aplauso, como usamos em nossa
sociedade hoje. Inclusive há textos onde esta expressão é utilizada
no sentido de rejeição ou reprovação, desprezo e até mesmo zombaria
(ver Jó 27:23; Lamentações 2:15; Ezequiel 21:14; 22:13).
Existe
também o aspecto simbólico e poético da expressão, pois em Salmos 98:8 e
Isaías 55:12 os elementos da natureza são convidados a unirem-se
em louvor através de palmas. Evidentemente, esta é uma impossibilidade
física, o que não tira a beleza poética da
descrição;
porém, dificilmente pode ser tomada como parâmetro para a atitude do
adorador pensante durante o culto a Deus.
Além
disso, de acordo com a referência Strong, a palavra hebraica utilizada
neste texto (tâqah) também é traduzida como:
- Soprar,
tocar (trombetas) (46 ocorrências)
- Cravar,
afixar (com estacas ou cravos) (5 ocorrências)
- Golpear
(4 ocorrências)
- Erigir
(tendas) (3 ocorrências)
- Empurrar,
enfiar (armas brancas) (2 ocorrências)
- Lançar
(1 ocorrência)
Portanto,
não há justificativa escriturística para utilizar esta expressão como
justificativa ao uso de palmas no contexto da adoração a Deus na igreja.
Se fosse esta a intenção do Salmo, ou se houvesse uma justificativa
coerente para isto, este prática teria sido introduzida no Templo. Porém
o relato bíblico nega esta possibilidade.
Um
Unificador ou Divisor?
Observei
que em qualquer grupo normalmente há um número de pessoas que não aplaude. Os
que o fazem e os que não fazem não se agrupam em faixas de idade ou categorias
de classe. Tenho visto pessoas de cabelos brancos aplaudindo tão vigorosamente
como se estivessem num concerto, o educado tão entusiasticamente quanto o
inculto. Mas vejo também jovens sentados com os braços e mãos imóveis.
Bater palmas
é um de vários elementos que nos divide na forma de adoração. Precisamos nos
unir e solucionar o assunto com oração, estudo e muita humildade de espírito.
Qualquer
reforma duradoura terá que incluir as nossas crianças. Infelizmente, temos
educado nossas crianças fielmente em nossas escolas e Escola Sabatina, a cantar
“canções ativas” que empregam o bater de palmas com um certo ritmo. Talvez,
fazendo isto, estejamos sugerindo o que as crianças devem achar do ritmo dos
“grandes hinos” da igreja, e que alguns deles são muito enfadonhos e chatos.
Devem ser
postas de lado preferências culturais. Se o assunto dos finais dos tempos for
adoração, cometemos um erro terrível discutindo acerca de diferenças culturais.
É a santidade de Deus que deve ser a medida de nossa adoração.
“Se todos
os orgulhosos e vangloriosos, cujos corações estão arquejando para o aplauso de
homens e para distinção sobre os seus companheiros, pudessem calcular
justamente em contraste o valor da glória terrestre mais alta com o valor do Filho
de Deus, rejeitado, menosprezado, cuspido pelos mesmos que Ele veio resgatar,
quão insignificante pareceria toda a honra que o homem finito pode
proporcionar” (Testemunhos para a Igreja, vol. 4, pág. 375)
Fonte: Bíblia e Ciência
Acesso Teológico
Naldo JB