Enquanto, em 1860, os pioneiros adventistas na América do Norte entendiam que a mensagem do advento devia somente ser pregada nos Estados Unidos – pois aquele país era composto de gente de quase todas as nações – no Brasil era fundada a Colônia de Brusque. A maioria dos imigrantes que se estabeleceram nessa região de Santa Catarina vieram da Alemanha (de Baden, Holstein, Oldenburg e Prússia), posteriormente, chegaram colonos italianos e poloneses.
A imigração de alemães em grande escala, no século 19, coincidiu com o período de grandes crises que antecederam à unificação da Alemanha sob a hegemonia da Prússia, a partir de 1871. As causas dessa imigração foram tanto políticas quanto econômicas. Além do mais, intensa propaganda era feita pelas Companhias de Colonização de alguns países interessados em atrair imigrantes.
As grandes levas de imigrantes alemães entraram no Brasil entre 1850 e o final do século (São Leopoldo, no Vale dos Sinos gaúcho, foi o ponto de partida dessa saga iniciada em 1824, com a fundação da primeira colônia de imigrantes alemães no país, então recém-emancipado de Portugal). Mas foi só em quatro de agosto de 1860 que a Colônia de Brusque iniciou sua história, com o desembarque dos primeiros colonos às margens do Itajaí-Mirim. O rio se tornaria uma testemunha muda do início de uma nova vida para os colonos alemães, assim como, 35 anos mais tarde, seria palco de um “novo nascimento” para os primeiros conversos ao adventismo em Santa Catarina.
Os colonos vieram iludidos. A propaganda na Alemanha não lhes dava a mínima informação das reais condições de seu novo “lar”. Dizia, sim, que eles encontrariam um paraíso subtropical onde todos seriam proprietários de terras. Estavam totalmente despreparados para explorar um lote de terras coberto de floresta e isolado em ampla área despovoada. Esse despreparo dizia respeito a tudo: nada sabiam das técnicas agrícolas adequadas, do equipamento necessário ao desmatamento e plantio, dos tipos de roupas adequadas à região ou mesmo da inexistência de animais domésticos. Na administração da Colônia é que recebiam um machado, uma enxada e um facão ou uma foice.
Com muita coragem e determinação, foram transformando o ambiente. “É o burburinho do trabalho humano que enche o silêncio da mata. É o ruído das ferramentas que levantam ranchos para os povoadores. É o grito dos homens na animação do trabalho, a voz das mulheres que se ajudam e discutem os problemas comuns, são o choro e o riso das crianças que invadem o ritmo musical da natureza. A face da terra se transforma – apenas o rio continua a correr, embora as suas águas devessem ser, daí por diante, cortadas mais freqüentemente pelas canoas, pois continuaria a ser, por longo tempo ainda, a única via de comunicação do núcleo que iniciava a sua vida com o resto do mundo, a única estrada aberta pela natureza, para o contato com o centro, representado pela Vila do Santíssimo Sacramento do Itajaí”, escreveu Oswaldo R. Cabral, no livro Brusque – Subsídios para a história de uma colônia nos tempos do Império, nas páginas 8 e 9 (1958).
Nos anos seguintes, o ritmo do trabalho não mais cessaria. O horizonte seria alargado com a derrubada das matas. As colinas mostrariam as feridas abertas pelas ferramentas humanas e as plantações pouco a pouco surgiriam.
A Vila de Brusque é importante para caracterizar a comunidade camponesa do Vale do Itajaí-Mirim, no fim do século 19. Basicamente era um aglomerado com aparência semi-urbana, inserido na área colonial. Não se assemelhava nem um pouco às aldeias camponesas alemãs do século 19, mas, a exemplo delas, um forte laço de coesão social unia as propriedades individuais num grupo territorial muito bem definido – a Colônia. E, se havia lugares em que os colonos mantinham suas atividades sociais e econômicas com outras pessoas, eram as vendas.
Esses estabelecimentos comerciais ocupavam posição de destaque, não tanto pelo volume do comércio, mas pelo fato de serem pontos de reunião para os vizinhos, o local das conversas, da vida social, da venda e troca de mercadorias e da entrega de correspondência.
Nessa Stadtplatz (como os colonos chamavam a Vila de Brusque), havia uma venda que se tornaria muito especial. Pertencia ao Sr. Davi Hort, comerciante vindo da Alemanha. Nela, no início do ano de 1884, a mensagem adventista chegaria pela primeira vez ao Brasil.
Vila de Brusque no início do século 20
** OS PRIMEIROS IMPRESSOS
A poeira que se eleva quase impossibilita a identificação do par de brigões. Um grupo de homens já forma um círculo em torno dos dois corpos suarentos que se contorcem no chão. Afinal, era o tipo de acontecimento que servia para quebrar a monotonia da Vila de Brusque.
– Vai lá! Quebra a cara dele! – animam alguns.
Borchardt, o mais jovem, leva vantagem sobre o oponente. Num giro rápido de corpo, coloca-se sobre o adversário imobilizando-lhe os braços. Grossas gotas de suor escorrem-lhe da testa, molhando a face avermelhada de raiva. Os olhos parecem-lhe saltar das órbitas.
– Deixa pra lá, Borchardt... Não vale a pena brigar por isso! – diz um senhor de meia-idade, tentando acalmar os ânimos.
Borchardt levanta o punho, hesita por um momento, mas, não dando ouvidos ao conselho, dá um forte soco no rosto do adversário.
Não havendo reação por parte do homem, Borchardt se levanta com alguma dificuldade, sacode a poeira da roupa e arruma os cabelos despenteados. O círculo fecha-se mais, enquanto o grupo de homens observa o corpo imóvel no chão. De repente, quebrando o silêncio, alguém comenta:
– Acho que ele está morto.
Um calafrio percorre a espinha do jovem alemão que, sem dizer uma palavra, sai correndo em direção à casa do padrasto Carlos Dreefke. Temendo que a polícia pudesse persegui-lo, Borchardt evita a picada principal, e toma um atalho não muito utilizado.
Uns cinco quilômetros depois, o jovem ofegante chega à rústica casa do Sr. Dreefke. Àquela hora ninguém se encontrava em casa; estavam todos na roça ou talvez no engenho. Não havia tempo para comunicar ao Sr. Dreefke. Assim, Borchardt apanha alguns mantimentos e roupas para dirigir-se ao porto de Itajaí, distante 40 quilômetros. Seria dura e longa a caminhada.
Sem nenhum dinheiro no bolso (naquele tempo – fim do século 19 – as transações comerciais com os vendeiros eram feitas na base da permuta), Borchardt inicia a viagem mata adentro. Os únicos caminhos até a Vila de Itajaí eram uma pequena estrada aberta pelos arrastadores de madeira para as serrarias ou através do rio, em pequenas embarcações. Borchardt opta pela estrada pois não quer arriscar contato com alguém que possa reconhecê-lo.
Dias depois, transpondo montanhas e dormindo na mata, chega ao seu destino, totalmente exausto e faminto. No porto, Borchardt fica sabendo da partida de um navio rumo à Alemanha. Sem pensar duas vezes, entra sorrateiramente na embarcação, escondendo-se entre a carga.
Quando o verde vale do Itajaí já havia desaparecido no horizonte, o capitão encontra Borchardt dormindo entre algumas caixas. Depois de alimentado, o jovem explica sua situação ao capitão que, sem outra alternativa, obriga-o a trabalhar para pagar a passagem.
Os dias transcorrem calmamente. Certa manhã, no fim da viagem, Borchardt percebe a aproximação de dois senhores bem vestidos e sorridentes.
– Bom dia, senhor! Você vem do Brasil, não? – pergunta um deles, em alemão.
– Sim... da província de Santa Catarina – responde Borchardt, desconfiado.
O outro senhor estende-lhe a mão e diz:
– Nós somos missionários adventistas. Gostaríamos de saber se há algum evangélico em sua terra.
Vendo que não há o que temer, Borchardt prossegue.
– Bem, o meu tio é luterano.
– Ótimo. Você poderia nos fornecer o endereço dele? Temos interesse em mandar literatura religiosa para o Brasil.
Alguns meses depois, uma pequena embarcação vinda de Itajaí deixa seu carregamento em Brusque: algumas caixas com utensílios de agricultura, correspondência para a administração da vila e um pequeno pacote endereçado ao Sr. Carlos Dreefke, com selo de Battle Creek, Michigan, Estados Unidos.
Porto de Itajaí, Santa Catarina: portão de entrada da mensagem adventista no Brasil
Acesso Teológico
Naldo JB
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