O ano novo não começara nada bem. As chuvas constantes ameaçavam as plantações e tornavam desgraçadamente previsível uma nova cheia do rio Itajaí-Mirim.
Na Kaufläden (venda) do Sr. Davi Hort – um típico casarão colonial de dois pavimentos, a cerca de oito quilômetros do centro atual de Brusque – o comerciante conversa com alguns colonos.
– Sr. Hort, o senhor sabe como as chuvas têm dificultado as colheitas neste ano. Não temos muita mercadoria excedente para trocarmos, mas precisamos de novas ferramentas e alguns mantimentos...
A venda facilitava o comércio em pequenas quantidades. O colono vendia ou trocava seus produtos agrícolas e voltava para sua propriedade levando bens de consumo para uso da família. Servia, ao mesmo tempo, como local de armazenagem de produtos agrícolas e como ponto de distribuição de mercadorias não produzidas na área. O colono deixava na venda uma parte da produção agrícola do seu lote e levava sal, toucinho, ferramentas, óleo, tecidos e armas. Os colonos chamavam a isto de trok (adaptação do termo português “troca”), pelo fato de que não entrava dinheiro na transação.
– Bem, não posso fazer muito por vocês – diz Davi Hort, coçando a barba, enquanto se apóia com os dois cotovelos sobre o balcão de madeira. – Os produtos tiveram um aumento de preço na Vila de Itajaí e eu não posso sair em prejuízo. Mas me digam: vocês não trouxeram fumo ou banha?
– Muito pouco, Sr. Hort. Como lhe dissemos, a colheita neste ano não tem sido como esperávamos.
Dentro das pequenas propriedades, os colonos também se dedicavam a um cultivo puramente comercial: o fumo, que se destinava ao mercado, sendo apenas uma pequena parte consumida no local. Por outro lado, parte da produção agrícola chegava às vendas indiretamente. Milho, inhames e aipim eram utilizados para alimentar os porcos que, transformados em banha, constituíam uma das mais importantes fontes de renda do colono. Os verdadeiros excedentes da produção camponesa estavam, pois, reduzidos a dois artigos: o fumo e a banha. O cultivo do fumo, contudo, não foi nunca atividade agrícola mais importante do que as outras. O colono não deixava de cultivar milho, mandioca e outros produtos necessários à sua subsistência para se dedicar à agricultura comercial, embora essa significasse, muitas vezes, dinheiro vivo. O fumo era praticamente o único artigo que os vendeiros pagavam em dinheiro.
As vendas principais ficavam na sede da colônia. Outras, de importância secundária, localizavam-se nos entroncamentos de picadas e tinham mais características de entreposto de trocas. Na prática, esses vendeiros eram intermediários dos vendeiros da sede mais do que comerciantes independentes; também colonos, tinham, como atividade suplementar, pequenas vendas. Nelas se encontravam alguns produtos de maior necessidade (alimentos e pequenas ferramentas); para qualquer transação comercial maior, era necessário ir à vila.
Bem ou mal, o colono dependia do vendeiro. A colônia estava isolada, longe de qualquer centro urbano. Qualquer deslocamento, mesmo para um centro comercial mais próximo (no caso, o porto de Itajaí), demorava de uma semana a 15 dias. O colono não tinha condições de se afastar tanto tempo de suas plantações, ainda mais pelo fato de dedicar todo o tempo que restava aos “serviços acessórios” (como o corte de árvores). Por outro lado, para levar a mercadoria pessoalmente até Itajaí necessitava ter pelo menos bons animais de carga, sujeitando-se a viajar numa picada em péssimas condições, ou dispor de uma embarcação. Praticamente nenhum pequeno proprietário da região colonial tinha condições para isso. Deste modo, os comerciantes é que ditavam as regras.
– O que eu posso fazer – continua o Sr. Davi – é vender fiado o que vocês precisam. Depois a gente negocia a melhor forma de pagar a dívida.
Georg Friedrich Adolfo Hort, de 11 anos, filho mais novo do casal Davi e Anna Dorothea Elizabeth Stalenburg Hort, acompanha a conversa com muita atenção, sentado sobre algumas sacas de feijão. Apesar da pouca idade, Adolfo sabe que a dívida daqueles homens dificilmente poderá ser paga. Os colonos também sabem. Mas era um círculo vicioso do qual dificilmente podiam escapar. Como o excedente da produção de cada família era pequeno, ao ser saldada uma dívida, uma nova era contraída.
Os colonos ainda discutem as condições do acordo, quando entra um garoto, vestindo uma velha capa de chuva e tendo nos braços um pacote de forma retangular. Por um momento, todos ficam quietos, aguardando as palavras do rapaz.
– “Seu” Davi, mandaram-me trazer esta encomenda para cá. É para o Sr. Dreefke.
Carlos Dreefke (padrasto do fugitivo Borchardt), como quase todos os colonos daquela época, tinha a sua pequena propriedade da qual vivia. Providencialmente, encontrava-se na vila naquela manhã chuvosa de verão, fazendo negócios com os vendeiros da região. O Sr. Davi Hort já o havia visto passar em frente ao seu estabelecimento e, curioso para conhecer o conteúdo do pacote, diz ao garoto:
– Faça-me um favor, rapaz: procure o Sr. Dreefke, ele deve estar aqui por perto.
O garoto, satisfeito pela nova “missão” e, talvez, esperando alguma pequena gratificação, recoloca o capuz de couro e sai às ruas enlameadas. Minutos depois, volta à loja acompanhado de Carlos Dreefke. Além de Hort e seu filho, havia mais uns oito homens na casa; todos aguardando ansiosos.
– Guten tag, Sr. Hort. Como vão vocês? – pergunta Dreefke educadamente – Mandou-me chamar?
– Sim. Chegou uma encomenda para o senhor. O selo diz que é dos Estados Unidos... – o Sr. Davi aponta o dedo para o pacote a um canto do balcão – Ali está.
– Encomenda para mim?! Dos Estados Unidos?! Creio que há um engano aqui. Não fiz nenhuma encomenda!
– Mas não existem dois Carlos Dreefke nesta região! – diz um dos colonos.
– Desculpem-me, mas não posso abrir este pacote. E se eu tiver de pagar? E se for uma cilada...
– Cilada?! – interrompe o Sr. Davi. – Ora, homem! O que pode haver de mal num simples pacote? Além do mais, o selo já está pago. O que você tem a perder?
Relutante, o Sr. Dreefke se aproxima do embrulho. Os homens o animam a abri-lo. O pequeno Adolfo também se aproxima, com os olhos brilhando de curiosidade. Dreefke começa a rasgar o papel lentamente, faltando pouco para um dos homens tomar a frente e terminar o serviço. A curiosidade domina a todos.
Instantes depois, o conteúdo do pacote vem à luz: dez belas revistas com a inscrição de capa Stimme der Warheit (A Voz da Verdade). Dreefke espanta-se mais ainda. “Quem poderia ter-me enviado estas publicações? Quem saberia o meu endereço e meu nome?” As dúvidas se multiplicavam.
Pegando uma das revistas para si, Dreefke distribui as demais aos outros homens. Meio decepcionados, os colonos guardam o presente – as páginas que mais tarde dariam início a uma verdadeira transformação de mentes e corações.
Casa comercial onde foi aberto o primeiro pacote de literatura adventista no Brasil, em 1884
Acesso Teológico
Naldo JB
Gostei da história! O Sr. Tem o endereço do Armazém do Sr .Davi Horst ,em Brusque? As vezes vou a Brusque ,e quero conhecer! Obrigada! Cida
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