Muitos tentam desvestir o
pecado da pecaminosidade que lhe é inerente.
Um dia desses assisti por
Internet, em um post de amigos meus nas redes sociais, o vídeo de um candidato
ao prêmio máximo do reality The Voice Brasil. Uma audição que empolgou aos
jurados do programa, que terminaram dançando junto ao aspirante ao estrelato do
showbiz. O interessante do vídeo é o fato de que o rapaz é bem conhecido entre
os jovens adventistas por ter participado por bons anos de um dos grupos de
louvor mais reconhecidos dessa comunidade cristã.
Fui seu contemporâneo por um
ou dois anos, durante o tempo em que estudei Teologia. Nunca conversei
pessoalmente com ele. Embora seu nome seja bem conhecido, não vou citá-lo por
alguns motivos que enumero a seguir: (1) parece claro que sua participação no reality
pressupõe haver deixado a Igreja Adventista; (2) não me cabe julgar seus
motivos porque, primeiro, não os conheço e, segundo, o coração é jurisdição
exclusiva de Deus; e (3) meu artigo não trata exclusiva e pessoalmente dele,
mas o toma por base para uma reflexão que, creio, pode e deve ser mais
profunda.
Seu comportamento ilustra
bem meu argumento. Ao assistir sua desenvoltura corporal e a familiaridade com
que incorpora o ritmo, me ponho a pensar como é fácil assumir essa identidade,
tenha ele “nascido” ou não na Igreja, como se costuma dizer. E tomo a liberdade
– e o atrevimento até – de afirmar que essa não é uma identidade assumida, mas
uma identidade tão somente abafada por uma redoma, uma bolha, uma quase
camisa-de-força que impõe um padrão de cristianismo que não consegue romper o
elo com o que João tão sabiamente advertiu escrevendo em sua primeira epístola:
“Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele, porque tudo que há no
mundo, a concupiscência da carne e dos olhos, a soberba da vida, não procede do
Pai, mas do mundo”.
Hoje em dia, com tamanho
bombardeio da Internet e das mídias sociais é impossível imaginar que um jovem
não beba dessa fonte criticada por João. Mas, mesmo antes, também era assim.
Basta recordar que não se necessita esforço para fazer o dito “mal”, nem
perguntar… basta fazer. A ciência do incorreto é inata, nasceu conosco e está
bem expressa nas palavras autobiográficas do “homem segundo o coração de Deus”,
quando afirma: “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe”. Ao
passo que para ser uma nova criatura você tem que, necessariamente, ser
desintoxicado, desinfetado e passar por uma assepsia de valores e conduta.
Por isso, digo que o jovem
não aprendeu a ser tão igual a “eles” no palco do The Voice. Ele e nós, sempre
fomos e somos, de alguma maneira, um deles ou um com eles! E assumo o risco
dessa afirmação porque vejo na Igreja real, aquela que está além dos tweets, a
força com que muitos de nós tentamos manter a vida nos trilhos de Cristo! Não é
de admirar que hoje, os jovens entendam o adventismo tão somente como abandonar
as carnes ditas imundas ou lutar por manter-se fiel ao sábado abstendo-se de
trabalho e estudo nesse dia santo e procurando estar presente nos cultos,
muitas vezes só de corpo físico. Mas, será que esse é o alcance do cristianismo
advogado por Paulo entre outros tantos? Não é de admirar que depois de
cumpridas essas disciplinas sabáticas, os jovens terminem o Dia de Deus no
cinema com a galera da Igreja. Não é de admirar que depois de batalhar por uma
vaga no emprego dos sonhos, a proposta de trabalho no dia santo já não seja tão
resistida assim. Não é de admirar que, roupas, linguagem, estilo de vida,
comida e amizades sejam tão próximas ao estilo condenado pelo cristianismo real.
Não é de admirar que alguns deles inclusive sejam adeptos das chamadas cervejas
sem álcool. Tudo, quase tudo, numa tentativa de desvestir o pecado da
pecaminosidade que lhe é inerente. Algo como dizia jocosamente um antigo
professor: “Um dia vão criar o porco desporcainado”!
“Pois não me envergonho do
Evangelho porque é o poder de Deus para a salvação…” Quando leio essa primeira
parte da afirmativa de Paulo, me ponho a pensar que o “poder” está desmerecido
em sua capacidade. Há três palavras gregas para “poder” usadas por Paulo:
exousia, dinamis e kratos. A que aparece nesse verso tem que ver com “força que
é gerada ou originada” por Deus em Cristo, a boa-nova do evangelho! Não é que
Cristo tenho perdido a dinamis, nós é que perdemos ou pouco nos apropriamos
dessa força geradora de poder. E mais: é um poder que mostra a capacidade
transformadora do Evangelho!
Quando eu desisto de me
apropriar desse poder me torno presa fácil da natureza intrínseca que estava
ali, controlada, medicada pelas doses de cristianismo que a duras penas eu
mesmo me impunha. Quando me afasto da fonte, permito brotar aquela pessoa que
aflora sem esforço, sem disciplina eclesiástica e sem limites muitas vezes.
Das outras duas palavras,
exousia tem que ver com autoridade; e kratos, com força, potência. As três
dimensões da palavra “poder” ensinam que não está em nós a capacidade e que
essa natureza precisa ser revestida de Cristo como o próprio Paulo expressou na
carta aos Gálatas. Quando penso na justificação pela fé, entendo que o Deus do
universo aceitou que seu Filho assumisse a nossa natureza! E quando Ele vê um
de nós por aqui, enxerga Seu Filho, Sua Justiça, Sua impecabilidade, mas de
trás, persiste o eu pecador que só será erradicado para sempre na segunda vinda
de Cristo. É o que está expresso uma vez mais pelo apóstolo em 2 Coríntios
5:21, isto é, uma troca. A justiça dele em troca de nossos trapos de imundícia,
usando palavras do profeta Isaías…
É triste perceber que o
jovem e o seu número artístico não nasceram da apostasia ou afastamento da
Igreja. Ele estava ali, mesmo dentro da Igreja, aos sábados e a cada culto,
inclusive entregando seu talento em louvor a Deus! O que havia era o equívoco
de imaginar que a simples disciplina eclesiástica do sábado, da Igreja, do
culto, do louvor, no fundo, representariam uma tentativa de manter inerte ou
desabilitado um estado de espírito, uma natureza latente que atos exteriores
nunca poderão efetivamente transformar!
O jovem sabe do mundo e das
suas concupiscências não porque se alimenta da Internet ou das mídias para
conhecê-lo. É claro que isso aumenta o desejo porque a mesma Escritura declara
que é pela contemplação que somos transformados. Mas é mais porque nós estamos
infectados na corrente sanguínea com o vírus do pecado que é a mancha do
leopardo ou a cor de pele do etíope, em figuras usadas por Jeremias, outro dos
profetas. Não se pode mudar se Cristo não tomar nossa vida ao ponto de
chegarmos a experimentar o que Paulo, mais uma vez, declarou: “Já não sou eu
quem vive, mas Cristo vive em mim. E o viver que agora tenho na carne, vivo
pela fé no Filho de Deus, que me amou e a Si mesmo se entregou por mim”
(Gálatas 2:20).
Penso que antes de
crucificar esse ou aquele jovem, nós devíamos passar por essa transformação! A
metamorfose que Paulo afirmou em Romanos 12:1-2. Sem essa dimensão é impossível
agradar a Deus vivendo pela fé no Filho. O reality show brasileiro mostrando um
jovem que “foi” da Igreja nunca foi tão real, pois nos deu a clara demonstração
de que nosso cristianismo precisa ser diferente
Por Carlos Henrique Nunes Formado em Teologia, atualmente é
pastor na Missão Peruana do Norte. Jornalista profissional há 19 anos, formado
pela Unisinos, foi repórter nos jornais Diário Gaúcho e Zero Hora, e professor no
curso de Jornalismo do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp),
campus Engenheiro Coelho.
Fonte: Portal Adentista
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