Embora
o Antigo Testamento repetidamente afirma que o Deus de Israel (Yahweh) é santo
e justo, gracioso e misericordioso, nenhuma vez ela diz explicitamente: Deus é
perfeito. Contudo, o termo "perfeito /perfeição" é usado várias vezes
concernente a Deus, mas sempre referindo-se à relação de Deus com Israel. Três
textos usam a palavra heb. "tãmim", (perfeito, inculpável), com
respeito a Deus:
(1)
Deut. 32:4: "Eis a Rocha! Suas obras são perfeitas, porque todos os seus
caminhos são juízo; Deus é fidelidade, e não há nele injustiça; é justo e
reto".
(2)
Sal. 18:30: "O caminho de Deus é perfeito; a palavra do SENHOR é provada;
ele é escudo para todos os que nele se refugiam."
(3)
Sal. 19:7: "A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma; o testemunho do
SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices."
Em
cada vez, estes textos revelam que os atos redentores de Deus e a instrução ao
Seu povo do concerto são perfeitos: Sua obra, Seu Caminho, Seu Torah (toda a
Instrução divina) são perfeitos para Israel. Deus tinha estabelecido um único e
perfeito relacionamento com Seu povo escolhido através de Isaías. Ele mesmo os
desafiou-os com a questão: "Que mais se podia fazer ainda à minha vinha,
que eu não lhe tenha feito? E como, esperando eu que desse uvas boas, veio a
produzir uvas bravas?" (Isa. 5:4).
Deus
tinha redimido Israel da casa da servidão, o Egito, através dos julgamentos das
dez pragas, o miraculoso secamento das águas do mar vermelho, e a completa
destruição dos perseguidores egípcios – uma perfeita redenção. Ele os tinha
conduzido por 40 anos no deserto rumo à Canaã, dando-lhes maná do céu e água da
rocha – uma perfeita guia, provendo-lhes para todas as necessidades. Suas
vestes não se rasgaram, nem os seus pés incharam durante aqueles 40 anos (Deut.
8:4) – um perfeito cuidado.
O
divino Redentor tinha dado a Seu povo redimido no Sinai o Seu santo concerto,
consistindo de Dez Mandamentos embutidos dentro do santuário e seu culto
expiatório da graça perdoadora. O dinâmico inter-relacionamento desta grande
lei moral-religiosa com a graça expiatória do santuário outorgava aos
adoradores reavivamento da alma e alegria de coração. No santuário, Deus mesmo
revelava Sua presença, habitando assim entre o Seu povo, e transformando o
verdadeiro adorador por Seu glorioso poder. "Assim, eu te contemplo no
santuário, para ver a tua força e a tua glória." (Sal. 63:2). Esta é a
perfeição do Torah de Yahweh: "A lei do SENHOR é perfeita e restaura a
alma." (Sal. 19:7).
O
Antigo Testamento não está interessado em tentar explicar como Deus é perfeito
em Si mesmo. Isso não seria de nenhum benefício ao homem. A perfeição de Deus é
enfaticamente proclamada como Seu amor redentor e santa justiça para Israel.
Ele é perfeito como um Deus fiel e confiável que cumpre fielmente Suas
promessas salvadoras, reavivando a alma e iluminando os simples.
Quão
distante é o quadro do Antigo Testamento de Deus de todo o conceito puramente
filosófico acerca de Deus. O deus de Aristóteles, por exemplo, era o produto de
seu próprio engenhoso pensamento, a peça coroadora de seu sistema lógico de
filosofia. Seu deus era a necessária, mas abstrata idéia de puro pensamento
somente, "Pensamento em si", e portanto, isento de todos os
sentimentos e afeições. Todas as expressões emocionais eram consideradas como
distúrbios de perfeito pensamento para Aristóteles. Seu deus era uma imagem
criada pelos mais altos conceitos do homem: um deus sem paixões, amor, ira, ou
intervenções na história humana.
O
testemunho de Israel de Deus, dramaticamente falando e atuando como
Criador-Redentor deu um quadro fundamentalmente diferente de Deus. Isso também
diferiu radicalmente de todos os conceitos de Deus das nações gentílicas
contemporâneas. Enquanto cada nação antiga tinha seu panteão, contendo uma
pluralidade de deuses e deusas representados por estátuas e imagens de escultura,
o Deus de Israel tinha explicitamente proibido a fabricação de qualquer imagem
esculpidas dEle (Êxo. 20:4). Ele excedeu a todos os conceitos humanos de Deus,
permanecendo o verdadeiro e soberano Deus. O Tabernáculo ou santuário de Israel
não continha nenhuma imagem de Yahweh. O rei Salomão mesmo confessou em sua
oração de inauguração do magnificente Templo: "Mas, de fato, habitaria
Deus na terra? Eis que os céus e até o céu dos céus não te podem conter, quanto
menos esta casa que eu edifiquei."
Isaías
tenta despertar Israel a uma nova visão da majestade superior de Yahweh e
soberano governo, apontando a incontáveis estrelas em seus movimentos
ordenados: "A quem, pois, me comparareis para que eu lhe seja igual? — diz
o Santo. Levantai ao alto os olhos e vede. Quem criou estas coisas? Aquele que
faz sair o seu exército de estrelas, todas bem contadas, as quais ele chama
pelo nome; por ser ele grande em força e forte em poder, nem uma só vem a
faltar." (Isa. 40:25-26).
Deus
Se revelou a Si mesmo a Isaías em Sua incomparável santidade, uma categoria que
só pode ser experimentada, e portando não pode ser achada por mero pensamento
humano. Isaías experimentou a esmagadora realidade de santidade quando lhe foi
dada uma visão do Santo em Sua glória celestial e ouviu os serafins cantando:
"Santo, santo, santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da
sua glória." (Isa. 6:3).
O
encontro pessoal com o santo Deus trouxe a Isaías a súbita compreensão de sua
própria inerente pecaminosidade, levando-o a exclamar: "Ai de mim! Estou
perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de
impuros lábios, e os meus olhos viram o Rei, o SENHOR dos Exércitos!"
(Isa. 6:5).
Esta
dramática revelação da santidade de Deus deu ao nobre profeta um novo
auto-entendimento, a descoberta de sua completa indignidade quando contrastada
com a infinita pureza. Contudo, esta experiência não foi o fim dos caminhos de
Deus. O Senhor deu ao profeta arrependido Sua graça salvadora do Templo
celestial: "A tua iniqüidade foi tirada, e perdoado, o teu pecado."
(Isa. 6:7).
Quão
vividamente esta história ensina que o amor de Deus é santo amor, que tanto ama
o pecador como também odeia o pecado! Pecado – o espírito misterioso da
desobediência e independência de Deus – é incompatível com Deus.
Semelhantemente,
os profetas proclamam que Deus julgará o mundo e particularmente o Seu povo
escolhido em justiça. "De todas as famílias da terra, somente a vós outros
vos escolhi; portanto, eu vos punirei por todas as vossas iniqüidades."
(Amós 3:2). "Mas o SENHOR dos
Exércitos é exaltado em juízo; e Deus, o Santo, é santificado em justiça."
(Isa. 5:16). Contudo, mesmo quando Yahweh seja "tão puro de olhos que não
pode ver o mal" (Hab. 1:13), a perfeição de Deus é salvar um remanescente
por Sua graça, como o profeta Oséias retrata: "Como te deixaria, ó Efraim?
Como te entregaria, ó Israel? Como te faria como a Admá? Como fazer-te um
Zeboim? Meu coração está comovido dentro de mim, as minhas compaixões, à uma,
se acendem. Não executarei o furor da minha ira; não tornarei para destruir a Efraim,
porque eu sou Deus e não homem, o Santo no meio de ti; não voltarei em
ira." (Osé. 11:8-9).
Assim,
a perfeição de Deus é revelada em
santidade, amor, e justiça na concreta realidade da história de Israel. Desse
modo, a perfeição de Deus é uma perfeição
em ação, objetivando a salvação do homem neste mundo.
Isto
significa dedicação de Deus e vontade inteira, não dividida, fiel para salvar o
homem e para santificá-lo em Sua santa comunhão. Não admira que o profeta
inspirado conclama a Israel para louvar tão maravilhoso Deus, para buscar Sua
força e presença, e para proclamar Seus feitos entre as nações com alegria, a
fim de que todos os povos possam adorá-lO: "Rendei graças ao SENHOR,
invocai o seu nome, fazei conhecidos, entre os povos, os seus feitos.
Cantai-lhe, cantai-lhe salmos; narrai todas as suas maravilhas. Gloriai-vos no
seu santo nome; alegre-se o coração dos que buscam o SENHOR. Buscai o SENHOR e
o seu poder; buscai perpetuamente a sua presença. Lembrai-vos das maravilhas
que fez, dos seus prodígios e dos juízos de seus lábios, vós, descendentes de
Abraão, seu servo, vós, filhos de Jacó, seus escolhidos." (Sal. 105:1-6).
É
importante notar que Moisés usa o termo "justo" (saddîq), ou
"reto" (yashar) como sinônimos virtuais da perfeição de Deus (Deut.
32:4). Mais especificamente, os atos redentores de Yahweh por Israel desde o
Egito são chamados "a justiça" (sidqôt) ou os justos feitos de Yahweh
(Miq. 6:5; Juí. 5:11). A versão RSV traduz o sidqôt de Yahweh geralmente por
"atos salvadores" ou "os triunfos do Senhor". Tais
traduções são mais uma interpretação, escondendo o importante conceito hebraico
da justiça de Deus, como um ato de salvação pela graça de Deus em fidelidade a
Seu concerto com Israel. É verdade que a justiça de Deus também pode significar
justiça de Deus como um ato de destruição ou retribuição pelo pecado. Mas estes
conceitos não são contraditórios. O ato de justiça salvadora é sempre realizado
em benefício do fiel povo do concerto; o ato de destruição ou justiça punitiva
sobre os inimigos declarados de Israel, que ameaçavam o povo do concerto e
impediam o concerto de ser cumprido em Israel.
Portanto,
o piedoso israelita em tempos de estresse e opressão invoca o Deus da justiça
como o meio de salvação e libertação (Sal. 31:1; 35:24; 71:2). Deus assegura ao
Seu castigado povo do concerto que Ele
os fortalecerá, ajudará, e os sustentará com a destra da Sua justiça (Isa.
41:10; 45:8). Assim Deus é justo quando outorga misericórdia e graça. Ele não é
parcialmente justo e parcialmente gracioso, mas ambos plenamente.
A
conexão entre santidade, justiça, fidelidade, firme amor e perfeição, portanto,
parece ser muito íntima. Podemos dizer que a perfeição de Deus no Antigo
Testamento significa que Seu caminho ou as revelações de Sua santidade, justiça
e amor fiel são perfeitos. E a esta perfeição o homem é chamado a seguir e a
manifestar no andar com seu Criador e Deus da aliança.
Ser
criado à imagem de Deus implica a obrigação de segui-lO, refletindo Sua imagem
na vida social. Assim, a Escritura conta da perfeição de Noé, Abraão, Jó, e de
todos os verdadeiros israelitas: "Eis a história de Noé. Noé era homem
justo e íntegro entre os seus contemporâneos; Noé andava com Deus" (Gên.
6:9). "Apareceu o SENHOR a Abraão e
lhe disse: Eu sou o Deus Todo-Poderoso; anda na minha presença e sê
perfeito." (Gên. 17:1; Gên. 26:5). "Havia um homem na terra de Uz,
cujo nome era Jó; homem íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do
mal." (Jó 1:1). "Porque o SENHOR Deus é sol e escudo; o SENHOR dá
graça e glória; nenhum bem sonega aos que andam retamente." (Sal. 84:11).
"Bem-aventurados os irrepreensíveis no seu caminho, que andam na lei do
SENHOR." (Sal. 119:1). "Abomináveis para o SENHOR são os perversos de
coração, mas os que andam em integridade são o seu prazer." (Pro. 11:20).
Acesso Teológico
Naldo JB