A pergunta diz respeito à Bíblia como um todo, mas vamos
respondê-la a partir do Novo Testamento, pois é ali que encontramos evidências
mais concretas. Existem no Novo Testamento citações de autores seculares? Sim.
E há também diversas citações de autores religiosos extrabíblicos, para não
falar nas centenas de citações do Antigo Testamento.
As citações bíblicas são mais fáceis de ser identificadas –
a menos que sejam indiretas ou meras alusões – e não representam maiores
problemas. Em Mateus 2:6, por exemplo, encontramos uma citação de Miqueias 5:2
para demonstrar que o nascimento de Jesus em Belém foi cumprimento de uma
profecia. Além da comprovação profética, há outras formas de citação (Mt 22:44
[Sl 110:1]; Jo 3:14 [Nm 21:9]; Rm 3:10-18 [várias citações]; 1Co 10:1 [Êx
14:22-29]; Hb 8:5 [Êx 25:40]; Ap 3:19 [Pv 3:12]).
E quanto às citações de outros autores? Antes de responder,
é importante compreender que o Novo Testamento (ou a Bíblia como um todo) não
caiu pronto do céu. O texto bíblico também não foi ditado pelo Espírito Santo.
O processo da inspiração não é mecânico, como se o profeta fosse apenas um
instrumento nas mãos de Deus. A inspiração é dinâmica, o que significa dizer
que ela atua mais na mente do profeta, que fica então livre para escrever a
mensagem em suas palavras (Ellen G. White, Mensagens Escolhidas, v. 1, p.
20-22). Isso pode acontecer mesmo no caso de uma revelação em que Deus comunica
ao profeta por meio de sonhos e visões o conteúdo a ser escrito. Ao inspirar o
profeta ou outro escritor bíblico, Deus muitas vezes permite que ele se utilize
de fontes escritas ou orais para que a mensagem alcance um propósito
específico. Lucas (1:1-4), por exemplo, declara haver escrito seu evangelho a
partir de intensa pesquisa.
A citação de autores não bíblicos não representa um problema
para a doutrina da inspiração. Em Mateus 11:29 e 30, o próprio Jesus citou um
pequeno trecho de uma obra religiosa judaica não bíblica muito conhecida em
seus dias: Eclesiástico, de Ben Siraque (51:23-28). Já em Mateus 5 ele citou
diversas interpretações rabínicas equivocadas do Antigo Testamento, com a
intenção de refutá-las (v. 31, 43).
Os autores do Novo Testamento conheciam e utilizavam o
Antigo Testamento, outras obras da cultura religiosa judaica e obras de autores
seculares. Isso se aplica especialmente aos que viveram e estudaram fora da
Palestina. É o caso de Paulo, natural de Tarso, capital da Cilícia (At 21:39),
um importante centro cultural da época. Paulo recorreu à literatura secular de
seus dias no Areópago, em Atenas. No começo de seu discurso, ele fez referência
a uma inscrição que tinha visto num monumento local (At 17:23) e, em seguida
(v. 28), fez citações de autores clássicos: “Pois nele vivemos, e nos movemos,
e existimos”, de Epimênides, de Creta (6º século a.C.); e “Porque dele também
somos geração”, de Aratus, da Cilícia (3º século a.C.). O apóstolo fez essas
citações não porque elas fossem inspiradas na sua origem, mas para estabelecer
pontos de contato com sua audiência e, a partir dali, apresentar a verdade
bíblica.
Seria isso plágio? De forma alguma. Plágio, por definição, é
o uso desonesto de palavras ou ideias de outro autor com o objetivo de obter
lucro ou reconhecimento. Esse não foi o caso dos escritores do Novo Testamento.
Além disso, embora a prática do plágio seja antiga, sua regulamentação é
recente. Portanto, mesmo que Paulo não tenha dado o devido crédito a Epimênides
ou a Aratus, não devemos julgá-lo pelos critérios literários de hoje, mas pelas
práticas vigentes em seus dias. Ele não fez nada que não fosse considerado
normal ou aceitável.
- WILSON PAROSCHI, doutor em Teologia, com especialização em Novo Testamento, é professor no Unasp, campus Engenheiro Coelho (SP)
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