Em grupo, quando somos mais vulneráveis, estamos mais
protegidos.
Se há alguma coisa que os escândalos de corrupção nos
ensinam é que o senso de comunidade é essencial para a sobrevivência. Isso
mesmo! Se o discípulo é um eterno aprendiz, não deve permitir que a justa
indignação com a situação política nacional o cegue para uma lição preciosa
vinda de um contexto inesperado.
O que esses esquemas de corrupção têm em comum é uma forte
rede de pessoas comprometidas e cúmplices. Ao mesmo tempo que elas são
vulneráveis, porque podem ser delatadas por alguém do grupo, também são
extremamente fortes, porque se protegem mutuamente.
Em contraste, o cristianismo perde força quando uma visão
individualista da fé é permitida. O risco é os cristãos se protegerem dos
outros e não uns aos outros. Com medo de se tornarem vulneráveis, porque podem
ser traídos e abusados, acabam se tornando fracos porque se isolam. Em muitos
casos, a rede de comprometimento e cumplicidade que perpetua o abuso,
infelizmente, não se repete para o bem.
E isso acontece em um momento crucial da história quando a
humanidade experimenta uma mudança dramática e progressiva em direção à
desconexão social. A tecnologia tem fracassado em cumprir sua promessa de
conectar pessoas e pesquisas revelam, por exemplo, que possuímos poucos ou
nenhum confidente com quem discutimos questões importantes. Entre outros
indicadores está o aumento do número de pessoas que vivem sozinhas. Enquanto a
depressão e o estresse aparecem como grandes vilões no século presente, a
solidão é identificada como a principal causa de grande parte do atual estado
de infelicidade, insanidade e tristeza humana.
O texto (Bíblia), porém, ensina que a vida cristã em
contexto (cultura atual) acontece em comunidade. Não é possível desassociar o
“ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração” do “ame ao próximo como a ti
mesmo” (Lc 10:27, NVI). Parece que não conseguiremos crescer espiritualmente de
acordo com o propósito divino vivendo relacionamentos superficiais. São nos
relacionamentos profundos, em que nos arriscamos a viver de coração aberto em
confiança, que o potencial espiritual é desenvolvido e a proteção acontece (Ef
4:11-16).
Parece um paradoxo pensar que quanto mais vulneráveis mais
protegidos estamos. E a vida proposta por Jesus é mesmo cheia de paradoxos,
como, por exemplo, a verdade de que é preciso perder a vida para ganhá-la (Mc
8:35) ou de que o criador do Universo nasceu como um bebê indefeso (Mt 1:23).
Em comunidade, conhecemos melhor a divindade que se revela
numa comunidade de três e que nos criou à sua imagem (Gn 1:26). Ao nos
afastarmos das pessoas, vamos na contramão desse DNA relacional com o qual
fomos desenhados e experimentamos o vazio da falta de relacionamentos íntimos.
Dessa maneira, somos tentados a preencher o lugar deles com a busca por bens
materiais, com a ocupação do tempo ou com a tentativa de manter a vida sob
controle.
Chegamos até a repetir “provérbios” cristãos que justificam
e reforçam nosso distanciamento, como: “temos que olhar pra Deus e não para as
pessoas”, “o importante é meu relacionamento com Deus” ou “a salvação é
individual”. Para mim, esses ditados religiosos não se diferem muito da máxima
secular “cada um com seus problemas”, usada por uma sociedade doente.
A realidade é que pessoas socialmente conectadas vivem mais,
respondem melhor a situações de estresse, possuem um sistema imunológico mais
robusto e enfrentam melhor uma variedade de doenças. Essa é a constatação apresentada pelo casal de
médicos Jacqueline Olds and Richard S. Schwartz, no livro The Lonely American:
drifting apart in the twenty-first century (p. 2).
Porém, o que fazer com o medo de se aproximar? Com as
experiências negativas e feridas causadas por amigos? Você deve correr riscos!
E eles valem a pena diante dos benefícios dessa atitude de buscar viver em
comunidade. Seguem algumas dicas:
Seja intencional
Com o tempo, encontre outras pessoas que também queiram
desenvolver relacionamentos verdadeiros e faça um acordo com elas de
cumplicidade, confidencialidade, abertura e aceitação. Isso pode até soar
artificial, mas lembre-se de que relacionamentos íntimos não são construídos
naturalmente. Eles precisam ser intencionalmente estabelecidos e cultivados (Ec
4:9,10,12; Pv 27:17).
Busque transformação em grupo
Quando o texto se encontra com a vida prática, a
transformação acontece. Vida em comunidade como prática da espiritualidade se
dá quando existe comprometimento de ajuda mútua para que a verdade bíblica seja
aplicada na vida diária (Jo 15:14). Em comunidade, somos capazes de fazer muito
mais do que faríamos sozinhos.
Pratique o cuidado mútuo
Ele nos ajuda a desenvolver a concentração nas necessidades
do outro e o exercício de zelar pelos interesses alheios (Fp 2:4). O
crescimento espiritual parece ser acelerado quando servimos ao próximo e
permitimos, em contrapartida, que os outros cuidem de nós.
É claro que a prática da espiritualidade por meio da vida em
comunidade não se dá apenas com intencionalidade e comprometimento. Ela requer
tempo, experiências de vida conjuntas e, sobretudo, a ação agregadora do
Espírito Santo. Algumas dessas experiências serão extremamente prazerosas,
enquanto outras podem gerar sofrimento. Para aqueles que já enfrentaram
situações difíceis em relacionamentos com pessoas desequilibradas, sugiro que
procure pessoas emocionalmente saudáveis com quem possam desenvolver uma
comunidade espiritual sadia. E, conforme o conhecimento mútuo se aprofunda,
aprenda a amar e ser amado.
O cristianismo bíblico nunca afasta as pessoas. Pelo
contrário, as ajunta em sua multiplicidade em um só corpo (1Co 12). Esse
sistema de proteção e interdependência requer intencionalidade e
vulnerabilidade. A Bíblia é insistente ao falar da necessidade do amor. Porém,
você não pode esperar que o amor bata a sua porta, nem mesmo que o crescimento
espiritual aconteça de modo individualista e passivo.
Viver em comunidade como cúmplices no crescimento espiritual
não é experimentar um amor distorcido que usa, abusa e decepciona, mas o amor
verdadeiro, mandamento do Senhor Jesus, o Cristo (Jo 15:12,13).
Fonte: Revista Adventista
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