PÓS-LAPSARIANISMO[1]
PROBLEMÁTICA
Era Jesus semelhante a Adão antes ou
depois da queda?
Aqueles que defendem a teoria pós-lapsariana[2] insistem em afirmar que
Jesus assumiu a natureza humana pecaminosa, em Sua encarnação, tanto física
quanto a moral e a espiritual, com todas as características da humanidade
caída. Assim sendo, Jesus teria sido exatamente como qualquer um de nós em
termos de forma e essência; Ele não seria em nada diferente de qualquer outra
pessoa nascida (RODON, 2008, p. 46 e 47).
“Em Sua natureza humana, não há uma
partícula de diferença entre Ele e vocês.” (Citado por KNIGHT, 2005, 121).
Esta era a posição de A.T. Jones, um
dos pioneiros do pós-lapsarianismo. Diante dessa afirmação temos que nos
reportar a Bíblia e ao Espírito de Profecia para vermos o que nos falam sobre a
condição natural do homem após o pecado.
A Bíblia nos apresenta um quadro em
nada elogioso quanto a condição humana pós-queda: “Enganoso é o coração, mais
do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?”
(Jeremias 17:9); “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe.”
(Salmo 51:5); “Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou
carnal, vendido à escravidão do pecado.” (Romanos 7:14).
Para Ellen G. White: “no seu âmago
[depois da queda], a natureza humana foi corrompida. Desde então, o pecado
alcançou todas as mentes” (Review and Herald, 16/04/1901); “Com relação ao
primeiro Adão, os homens nada receberam dele senão a culpa e a sentença de
morte” (Orientação da Criança, 475).
Assim, o problema é: Embora Jesus não
fosse um pecador, como corretamente entendido pelo pós-lapsarianismo, teria Ele
sido, realmente, participante da natureza humana corrompida, tanto fisicamente
quanto moralmente, com tendências, propensões para o pecado e inclinada para o
mal?
SOLUÇÃO
Os defensores do pós-lapsarianismo –
tendo como proeminentes expoentes Alonzo T. Jones, Ellet J. Waggoner, W.W.
Prescott, M.L. Andreasen – acreditam que Cristo assumiu a natureza humana após
a queda de Adão, passando a ter natureza igual a nossa (KNIGHT, 2005, p. 120 e
128; QUESTÕES sobre doutrina, 2008, p. 441); com isso eles afirmam que assim
como Cristo teve vitória sobre o pecado nós também podemos ter vitória perfeita
sobre o pecado, ao nos tornarmos perfeitos como Cristo foi perfeito (WHIDDEN, 2004,
p. 15). Ele deixa de ser nosso divino substituto, e se torna nosso modelo de
perfeição.
Devemos
ter em mente que Cristo foi totalmente Deus e totalmente humano enquanto esteve
na terra (NISTO Cremos, 2008, p. 56 a 66). Diversos autores abordam esse
assunto de maneira equilibrada, (entre eles: DEDEREN, 2011; DONKOR, 2008;
WHITE, 2007; KNIGHT, 2005; NISTO Cremos, 2008; QUESTÕES sobre doutrinas, 2008; RAMOS,
2004; RAND, 2008; RODOR, 2011 e 2008; WHIDDEN, 2004), assumindo que Cristo
realmente assumiu a natureza humana (física), mas sem, contudo, se contaminar
com o pecado (natureza moral). Era necessária a união entre as duas naturezas –
divina e humana – para que houvesse uma reconciliação da humanidade com Deus, para
esconder a divindade por trás da humanidade e para que Ele tivesse uma vida
vitoriosa pois sua humanidade sozinha não poderia vencer as tentações de
Satanás (NISTO Cremos, 2008, p. 67 a 69).
Cristo tomou sobre Si a natureza humana
física em sua condição caída, nasceu com carne pecaminosa, contudo, sem ser um
pecador (em sua natureza moral) (DONKOR, 2008, p. 22 e 23; RODOR, 2008, p. 47),
sem participar, o mínimo que fosse, do seu pecado, afinal Ele nunca pecou (II
Coríntios 5:21; I Pedro 1:19), e nEle não havia a propensão ao mal, nisso
podemos apontar sua singularidade. Simplesmente Ele não era outro ou mais um
homem, era Deus feito homem (RAND, 2008, p. 37). O fato dEle participar da
natureza humana não O isentou de estar sujeito à enfermidades e fraquezas
(Mateus 8:17), coisas inerentes ao pecado, nisso podemos apontar Sua identidade
com a raça humana pós-queda (WHITE, 2007, p. 117).
Após leitura da bibliografia
pesquisada para esta pesquisa, cremos que os termos que melhor se aplicam a
questão da natureza humana de Cristo sejam os de Identidade – com nossa natureza pecadora física – e Singularidade
– por ser sem pecado (WHIDDEN, 2004, p. 17, 19 e 20). Afinal, cremos que
Jesus não era totalmente pós-queda, e nem pré-queda[3] (que está no outro extremo
da discussão da natureza humana de Cristo)[4]. Um breve resumo do pré e
pós-lapsarianismo pode ser visto no quadro a seguir:
Debilidades Inocentes[5]
|
Propensões Pecaminosas4
|
|
Adão
antes da queda
|
Não
|
Não
|
Adão
depois da queda
|
Sim
|
Sim
|
Cristo
|
Sim
|
Não
|
Fonte: Questões sobre doutrina, 444.
A identidade de Cristo com os seres
humanos se reflete nas debilidades inocentes (dor, sede, fome, morte) que O
acometeu, ou seja, Ele foi afetado pelo pecado, identificando-se conosco (RODOR, 2011, p. 33),
afinal era necessário que assim fosse para se tornar nosso substituto, como
parte do plano de salvação em prol da humanidade caída. Ellen White diz que o
objetivo da identidade de Cristo foi obedecer a lei de Deus, tornando-se nosso exemplo
(WHITE, 2010, p. 139 a 141).
Já a singularidade de Cristo fala da
sua impecabilidade humana, ou seja, Ele não era infectado pelo pecado (WHIDDEN,
2004, p. 42 e 43), era livre da corrupção, depravação hereditária e do pecado
efetivo que nos acometem (NISTO Cremos, 2008, p. 64 e 65), afinal Ele era o
perfeito Cordeiro pascal e que se houvesse pecado não poderia ser nosso
perfeito exemplo para a salvação. Portanto, a identidade e a singularidade da
natureza humana de Cristo, se combinam de forma perfeita e complementar para
testemunhar que, mesmo após quatro mil anos de pecado, onde Adão falhou antes
do pecado, Jesus (o segundo Adão) poderia vencer (e venceu) e se tornar nosso
exemplo, mesmo que Ele estivesse afetado pelo pecado.
RESUMO
O
pós-lapsarianismo em si mesmo não é a solução para o entendimento da natureza
humana de Cristo. O mais coerente e convincente é buscarmos relacionar: 1) sua
identidade com a humanidade, o fato dEle ter assumido à forma humana em carne
pecaminosa e afetado pelo pecado, ter que sofrer as debilidades inocentes em
sua experiência, para com isso poder redimir o ser humano e se tornar nosso
exemplo único; 2) sua singularidade como Deus homem, Ele não era apenas mais um
ser humano, era Deus, que foi afetado mas
não infectado pelo pecado, pois não tinha propensões para o mal. A compreensão
da união das naturezas divina e humana em Cristo foi, é e sempre será um
mistério para nós. Sua morte na cruz afetou apenas Sua humanidade, mas nunca
Sua divindade.
Esse
é nosso incomparável Jesus Cristo, o segundo Adão, nosso Supremo exemplo, Deus
conosco, nosso Salvador, que apesar de Sua singularidade como Deus-homem, nos
entende como pobres e miseráveis pecadores que somos, carecidos de Sua graça,
pois afinal Ele se identificou conosco ao tomar sobre si nossas fragilidades e
nossos pecados tomou sobre si, entregando-se para que por Ele obtenhamos a vida
eterna.
BIBLIOGRAFIA
DEDEREN,
Raoul. Cristo: Pessoa e Obra. In:
Tratado de Teologia Adventista do Sétimo Dia. 1ª edição. Tatuí-SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2011. Págs. 180–230.
DONKOR,
Kwabena. A natureza de Cristo: a questão
soteriológica. In: Parousia – Revista do Seminário Adventista
Latino-Americano de Teologia. Ano 7, Nº 1. Engenheiro Coelho-SP: Unaspress –
Imprensa Universitária Adventista, 1º semestre de 2008. Págs. 19–30.
KNIGHT,
George R. Uma exploração dupla da
natureza humana de Cristo. In: Em busca de identidade – o desenvolvimento
das doutrinas adventistas do sétimo dia. 1ª edição. Tatuí-SP: Casa Publicadora
Brasileira, 2005. Págs. 120–128.
NISTO
Cremos – As 28 crenças fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Deus Filho. 8ª edição. Tatuí-SP: Casa
Publicadora Brasileira, 2008. Págs. 48–76.
QUESTÕES
sobre doutrinas. A natureza de Cristo
durante a encarnação. 1ª edição. Tatuí-SP: Casa Publicadora Brasileira,
2008. Págs. Págs. 435–467.
RAMOS,
José Carlos. A condição humana de Jesus
nos escritos de Ellen G. White. In: Parousia – Revista do Seminário
Adventista Latino-Americano de Teologia. Engenheiro Coelho-SP: Unaspress –
Imprensa Universitária Adventista, 2004. Págs. 47–52. Disponível em: http://circle.adventist.org/files/unaspress/parousia2004024706.pdf. Acessado em 9 de outubro de 2012, às
15:30.
RAND,
Benjamim (Pseudônimo). Que natureza
humana Jesus assumiu? Não caída. In: Parousia – Revista do Seminário
Adventista Latino-Americano de Teologia. Ano 7, Nº 1. Engenheiro Coelho-SP:
Unaspress – Imprensa Universitária Adventista, 1º semestre de 2008. Págs.
31–44.
RODOR,
Amin A. O incomparável Jesus Cristo.
1ª edição. Engenheiro Coelho-SP: Unaspress – Imprensa Universitária Adventista,
2011.
_____________.
Cristo e os cristãos. In: Parousia –
Revista do Seminário Adventista Latino-Americano de Teologia. Ano 7, Nº 1.
Engenheiro Coelho-SP: Unaspress – Imprensa Universitária Adventista, 1º
semestre de 2008. Págs. 45–73.
WHIDDEN,
Woodrow W. Ellen White e a humanidade de
Cristo. 2ª edição. Tatuí-SP: Casa Publicadora Brasileira, 2004.
WHITE,
Ellen G. O desejado de todas as nações.
9ª edição. Tatuí-SP: Casa Publicadora Brasileira, 2007.
_____________.
A encarnação. In: Mensagens
Escolhidas, vol. 3. 3ª edição. Tatuí-SP: Casa Publicadora Brasileira, 2007.
Págs. 125–142.
[1] Artigo
apresentado a disciplina de Cristologia no Seminário Adventista Latino-americano
de Teologia, pelos alunos: Jailson Noronha; Jeovan de Souza; José Jeová; José
Nilton; Josinaldo Bispo (Naldo JB)
[2]
Pós-lapsarianismo significa depois do lapso, depois da queda, da entrada do
pecado (Gênesis 3).
[3]
Ou, pré-lapsarianismo.
Defende que Jesus era um homem sem a tendência para recar igual à de Adão antes
do pecado; Sua natureza moral e espiritual era como Adão antes da queda.
[4]
Ambos os termos (pré e
pós-lapsarianismo) se tornaram cheios de controvérsias das mais diversas,
contendo pontos doutrinários equivocados e contrários ao que diz a Bíblia e o
Espírito de Profecia.
[5] “Debilidades inocentes” – coisas como fome, dor, fraqueza, tristeza,
morte. “Propensões pecaminosas” –
inclinação ou ‘tendência’ para pecar. Conceito defendido por Tim Poirier, do
White Estate, após analisar o uso que Ellen White faz do Sermons by Henry Melvill intitulado “The Humiliation of the Man
Christ” (KNIGHT, 2005, p. 126).
Você também pode baixar a palestra desse artigo clicando no botão abaixo.
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Acesso Teológico
Naldo JB
Sem desmerecer o tempo despendido para o estudo dessa questão, existem pontos que, se estudados isoladamente, poderão ter uma resultante de pensamento diversa à apresentada aqui. No quadro debilidades inocentes, mostra-se Adão como isento de dor, sede, fome e morte. Isso é contestável: em Gênesis 2:21, Deus fez Adão cair em profundo sono para retirada de uma de suas costelas. Ora, se o homem não fosse suscetível à dor, Deus o teria feio com Adão acordado mesmo. Não faia sentido anestesiá-lo para o procedimento. Também, a história da criação mostra que Deus criou todas as coisas antes de criar Adão, montando um habitat ideal para manutenção da vida do homem na terra. Criou os vegetais que o homem (e os animais) comeriam, água, ar e a árvore da vida (a mesma, da qual os salvos terão que se alimentar de suas folhas, uma vez por mês, para se manterem vivos na nova terra). Nessa situação, vê-se Adão suscetível à dor, fome (até porque é necessária a transformação do alimento em energia, ou nutrientes, para a manutenção do corpo físico, ou seja, essa é uma caraterística de toda a vida física, não espiritual), sede (ou não beberia água) e morte (ou não precisaria comer da árvore da vida, conforme se entende em Gênesis 3:22). Ou seja, no quadro que mostra "Não" para as debilidades inocentes de Adão, deveria haver um "Sim", tornando essas características iguais às de Cristo. O propósito central da salvação é dividido em duas partes: a primeira (que é o foco da discussão entre pré e pós lapsarianismo) era provar que era possível ao homem (eu acredito que o ainda não caído) abster-se do pecado. A segunda era pagar o resgate, com sangue inocente (louvado seja o nome do Senhor), pelo Adão caído, o que não é discussão desse tema. Nós receberíamos, por herança, o benefício que também receberíamos se Adão escolhesse não pecar. O ponto-chave está no homem ainda não caído, não no homem já corrompido pelo pecado. Ainda, com relação ao pecado, se considerarmos que Cristo é homem como nós (não na natureza física, mas moral), então nos é possível também não pecar, o que está incorreto. Nós só venceremos o pecado se recebermos, pelo Santo Espírito, o caráter de Cristo. Se este fosse também o caráter de homem, não haveria, para nós, sucesso.
ResponderExcluirNo texto anterior esqueci de mencionar que se considerei o Adão antes da queda.
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